Sobre a Perfeição
Não suportamos a perfeição. O ser humano não está acostumado com a perfeição, portanto não suporta, não gosta. Claro, tem muita coisa ainda para expressar a respeito.
Segundo Gurdjieff, a própria criação do mundo foi feita com a introdução de imperfeições. Temos, na Lei de Sete, a alteração dos intervalos musicais tradicionais.
Observo que o computador não toca uma música bem. Ninguém gosta de música tocada por computador, porque ele só consegue tocar perfeito, corretamente.
É a imperfeição que cada ser humano introduz e tudo o que faz, na sua vida, que dá a nota de diferenciação da unidade. A unidade seria apenas a perfeição, seria a não manifestação.
Por exemplo, você pede uma música e dois pianistas a interpretam. Nunca dois pianistas interpretam a música da mesma maneira, com partituras e tudo. Também, nenhum pianista toca sempre da mesma maneira. As pequenas diferenças de tempo e alterações de ritmo e cor de cada um fazem enorme diferença.
Noto também, que o afinador de piano, afina a nota central correta e, para cima e para baixo nas oitavas, introduz imperfeições. Disse-me esse afinador, por sinal muito conhecido por afinar pianos de teatros, que nem os pianistas e nem o público aceitam um piano perfeitamente afinado, cientificamente afinado. Isso porque eu o vi com um osciloscópio e disse que achava muito fácil afinar piano com um instrumento desses — ao que me contou que só afinava perfeitamente a nota central.
Bom, a partir daí, considerando que cada pessoas têm suas imperfeições, ou seja, o nosso conceito de beleza nunca é baseado numa beleza absolutamente perfeita. O que nos agrada, é o que combina com a gente, de alguma maneira, com as imperfeições que temos.
Mas então, se Deus já criou o mundo introduzido imperfeição, e um homem introduz mais imperfeição ainda, poder-se-ia concluir erroneamente que "quanto mais imperfeição, melhor". Mas não, porque existe uma escala de mundos, conforme o Raio da Criação (sistema de Gurdjieff), em que cada mundo abaixo é regido por mais leis, mais leis e mais leis.
Cada mundo abaixo é mais preso (limitado) e contém mais imperfeições.
Portanto, pode-se deduzir que, à medida que elevamos nosso nível de consciência ou nos autoaperfeiçoamos, passamos a apreciar mais a verdadeira perfeição.
Outra coisa interessante é nossa tendência para destacar a imperfeição na nossa consciência. Se vemos uma parede branca e limpa, o que nos chama atenção é um sujinho pequeno que possamos encontrar ali. E acabamos falando daquele sujinho, daquela imperfeição — e não da parede limpa.
Se encontramos uma pessoa muito boa, correta, honesta, e essa pessoa tem um pequeno defeito, ficamos quase cegos a tudo de bom que tem essa pessoa, toda a sua parte perfeita — pois todos nós temos uma parte perfeita — e vamos falar exatamente do pequeno defeito que essa pessoa tem. Estenda-se isso de pessoas a obras de arte, objetos, natureza e qualquer outra coisa.
Então, destacamos e reparamos o defeito, nos concentrarmos no defeito e na imperfeição — e é como se não existisse a parte boa; só existisse a parte ruim.
Desta forma, a arte seria uma boa forma de aferir em que mundo a pessoa está, e qual seu nível de consciência. Porque, conforme o nível de arte, quanto menos imperfeições houver numa obra artística, mais elevada ela será. E a pessoa que consegue apreciar as coisas com menos imperfeições, estaria mais evoluída e teria um nível de consciência mais alto.