Abstrato
No abstrato puro me expresso como lente de aumento sobre qualquer detalhe ínfimo da realidade. Poder-se-ia dizer que o abstrato não existe. Existem sim, detalhes ampliados de pequenas partes ou detalhes reduzidos do cosmo e das galáxias.
Seria abstrato o musgo multicolorido que vi numa pedra no monte Saint Michel? Uma mancha de óleo no chão da garagem? A imagem de camadas coloridas na argila de um corte no monte aberto para que passe a estrada? As nuvens? As espumas loucas de um mar revolto batendo na encosta escarpada? Ou o cabelo revolto de minha filha? Seria abstrata a mecânica quântica da arte?
Nada que faço é abstrato. Tudo tem origens em alguma forma real que procuro retratar do modo em que as guardo na memória – mescladas entre si, destorcidas por movimentos mentais, amolecidas e amalgamadas por sentimentos e emoções. Decomponho, faceto, lapido e torno a recompor de modo a expressar algum impulso criativo.
Sinto-me refém da plasticidade da forma quase ao abstrato – sem nunca chegar ao nada. Muitas vezes perco a figura para sonhar a imagem. Aquela imagem que um dia foi ou irá formatar nossos sonhos – é a lembrança de tudo que vivi.